Os desafios do Magistrado na atualidade

13 de agosto de 2018
Autor: Thiago Brandão de Almeida, Juiz de Direito – TJPI e Presidente da Amapi

Nos últimos anos temos vivenciado uma constante mudança, não apenas tecnológica, mas também comportamental. O mundo está cada vez mais digital e interconectado. E como é natural do jogo democrático, os debates políticos e sociais se intensificam.

Especificamente no Brasil, a bipolarização deste debate tem colocado o Magistrado em uma situação desafiadora. Essas mudanças têm dado forte protagonismo à Justiça. Muito comumente, as questões que chegam aos magistrados acabam sendo retiradas da agenda política ou impactam diretamente na execução das políticas públicas no país.

Como exemplo, sem ingressar no mérito das decisões, somente em 2018, o Supremo Tribunal Federal já deliberou a respeito da prisão após condenação em segunda instância, do autofinaciamento de campanhas eleitorais e, em breve, poderá decidir sobre eventual descriminalização da interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação.

Observa-se, neste cenário, que quanto mais se evidencia o trabalho de juízes, desembargadores e ministros, mais se intensificam opiniões que refletem o senso comum social acerca da Magistratura. Cito como exemplos: o uso excessivo de uma linguagem hermética, corporativismo, distância das mazelas sociais, dentre outros. Chega-se a ver uma campanha deliberada contra o Judiciário e seus membros, a partir de inúmeros interesses não republicanos. Direitos e prerrogativas constitucionais em favor da própria sociedade são tratados como benefícios, decisões são colocadas em xeque, magistrados são constrangidos publicamente, enfim, uma verdadeira cruzada de desmonte à carreira da Magistratura e ao Estado de Direito. Chega-se ao ponto, até, de pautar a campanha política partidária para a Presidência da República: cada candidato tem sua fórmula para retirar protagonismo do Poder Judiciário ou para evitar decisões judiciais que desagradem os Poderes outros.

Tamanha exposição pública desafia o juiz contemporâneo: como equacionar o respeito aos clamores populares sem fugir do rigor técnico-teórico? Sabe-se que o magistrado decide de acordo com a Constituição, as leis e seu livre convencimento. Ele está vinculado às provas e aos elementos existentes nos autos do processo. Não se pode, portanto, ao proferir uma sentença, cair na teia populista, nem direcionar um julgamento segundo a agenda midiática; os magistrados não podem jamais se deixar seduzir a esse encanto, vez que, não raro, devem proferir decisões contramajoritárias, isto é, a prestigiar direitos de uma minoria em detrimento da maioria.

Dessa forma, cabe ao magistrado, além do controle da constitucionalidade, também garantir o respeito aos direitos fundamentais, a defesa de interesses difusos e o enfrentamento da obscuridade e ambiguidade de textos legislativos, em face dos difíceis processos de negociação e interpretação.

E daí surge outro desafio contemporâneo: como é possível tornar mais eficiente a atuação do juiz, ao tempo em que a produção legislativa não consegue atender às exigências da sociedade? O atual contexto social é marcado pela velocidade e intensidade das transformações econômicas e pela proliferação de situações sociais novas e ainda não estruturadas. Infelizmente, há leis que já nascem desatualizadas diante de tantas transformações. Foi que aconteceu em alguns pontos do Novo Código de Processo Civil, por exemplo. Outras carecem de urgente atualização, como o Código de Processo Penal, aprovado em 1941.

Para além desses desafios atuais, o juiz ainda se vê diante de problemáticas históricas, como a falta de uma política nacional de segurança, um sistema previdenciário inadequado e uma política remuneratória que ainda não contempla as perdas inflacionárias. Sem falar na excessiva carga de trabalho. Para se ter uma ideia, enquanto a orientação da Organização das Nações Unidas recomenda que cada magistrado deve julgar, em média, 400 processos por ano, os magistrados piauienses chegam a mais que o dobro da média determinada, julgando 1.010 processos no mesmo período, conforme mostra o último relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, tamanha a desenfreada litigância que assola o país.

Por fim, nada mais oportuno que trazer este debate à tona, pois não restam dúvidas de que julgar está entre as tarefas mais complexas, principalmente diante dos muitos desafios da atualidade. Mas quando a vontade de fazer justiça fala mais alto, já temos um bom caminho percorrido. Caminho este bem representado nas palavras de Rui Barbosa: “Todo o bom magistrado tem muito de heróico em si mesmo, na pureza imaculada e na plácida rigidez, que a nada se dobre, e de nada se tema”.

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